Um Fim é Um Fim
“Os sonhos vêm, os sonhos vão… o resto é imperfeito”
(Há Tempos – Legião Urbana)
O ser humano criou em si a ilusão que, a cada fim, corresponde um recomeço. Talvez seja uma forma piedosa de aceitar os acontecimentos mais ou menos abruptos que criam sensações de amargura e dor. É também evidente que este tipo de frase aplica-se com maior ênfase no caso de um fim não desejado, ou, pelo menos, um fim dorido.
Um fim é um fim, e a exegese desse fim é apenas isso: o que levou ao término? Uma doença, uma ruptura, um acidente, uma viagem…
O fim pode também ser uma salvaguarda do que somos, uma forma de respeito e recuperação pelo nosso amor-próprio. Muitos de nós já passaram por relações amorosas em que se denota não existir suficiente afinidade com a pessoa amada.
As pessoas tentam se aproximar, mas raras vezes é fácil e muitas vezes não é possível. A solução: depende. A ausência de fórmulas providenciais é a resposta mais honesta. Como é honesto dizer também que, quando tudo falha, o mais acertado poderá ser nem voltar a tentar. Quando ambas as pessoas tentam, quando ambos se esforçam por levar algo adiante e mesmo assim não conseguem se entender, estarão a dar o seu tempo por perdido. A prossecução do que sentem e almejam apenas carrega em si um enorme incómodo e um fardo da dor. A tensão não cessa, nem com aproximações, nem com afastamentos. A tensão permanece, o saber-se que o outro que lá está nos faz pensar “o que tenho eu a ver com esta pessoa?”. Tudo isso acaba por ir se tornando mais denso. Há necessidades elementares de, pelo menos, um dos membros do casal, que não estão a ser satisfeitas, o que gera uma certa tristeza e apatia.
A ruptura acaba, mesmo que dolorosa, por ser a forma mais racional de sobrevivência de ambos, antes que sejam atirados para um redemoinho interno. O cansaço, a busca de diferentes realizações na vida (e, até, de realizações incompatíveis), o facto de se encarar a vida de forma mais contemplativa ou menos, de se ter maior ou menor apego a bens materiais, faz com que o sentimento se dilua em outro tipo de insatisfações.
Começa a pairar um certo azedume no ar, começam as diferenças a pesar mais. Um gosta de música triste e o outro de música alegre. Um gosta de TV e o outro de leitura. Um gosta de filmes que sejam sucesso de bilheteira, o outro de obras que muita gente não ouviu sequer falar. Um gosta de acordar cedo, o outro de dormir até tarde. Um faz do almoço a sua principal refeição, o outro o jantar. Um prefere o sossego, o outro a agitação. Um prefere o campo, o outro a praia. Um sente-se cansado todos os dias, o outro não.
Se ambos não se sentirem sitiados com tudo isto, será de estranhar.
Um fim é um fim. Não necessitamos de o adornar com nada, nem é pelo facto de o fazermos que ele se transforma em outra coisa.
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