Desencanto
Dou por mim a ter necessidade de escrever algo, e esvoaçam em minha mente montanhas de temas, mas tenho a profunda dificuldade de me decidir seja por qual for. E seria insensato pensar em falar de todos, pois tal tornar-se-ia uma amálgama retorcida e inconsequente.
Decidir sobre qual o tema a falar no meio de tanta insensatez que rodeia o ar que eu respiro não se torna fácil. Podia discorrer sobre a temática de os professores passarem a ser avaliados pelos pais dos alunos (estamos a trilhar um caminho muito interessante…), ou pela dificuldade crescente em admitir a reprovação qualquer que seja o nível de um aluno, ou pelo facto de a universidade se ter transformado num depositório de imbecis que se julgam com direito a ter um curso, pelo mero facto de existirem e serem presenças assíduas em praxes, festas, festivais de tunas e queimas.
Podia abordar o facto de se formarem continuamente gerações de seres agarrados à superficialidade, para quem a vida se espelha em blockbusters, em capas de revistas ou em reles programas de televisão.
Adianta? Não, de nada adianta. As pessoas lêem e continuam a fazer as mesmas coisas, a viver a sua vidinha reles e voltada para dentro. É muito fácil dizer que se admira alguém que não é mais que uma imagem holográfica que passa nos canais de comunicação e defender-se essa criatura com unhas e dentes, mesmo que essa criatura seja um verdadeiro verme. O que as pessoas absorvem é a imagem. Porque é mais fácil e não custa esforço.
Mais do que em épocas como a da Grécia Antiga, ou a Romana, efectuamos o culto da beleza. O mais interessante é que as definições do que é belo são tão vertiginosas e vorazes, que o que hoje é belo, amanhã já não o é. Pedimos aos que nos rodeiam para mudar a aparência, para que mais se adeqúem ao que pensamos estar de acordo com os nossos conceitos de estética, e pedimos e exigimos essa continua mudança, porque somos asquerosamente egoístas e umbiguistas, porque martelamos e insistimos crapulamente no receber, evitando dar.
Mesmo dando somos egoístas. Difusas vezes presenteamos os outros com algo que gostamos, mas que eles podem gostar ou não. Oferecemos-lhes roupa e acessórios, não porque eles precisem ou queiram, não porque eles se sintam bem com nossas oferendas, mas porque nós nos sentimos bem com a utilização por parte deles daquilo que tão empenhadamente lhes oferecemos. E ficamos magoados se os destinatários não se sentem impelidos a utilizar o que laboriosamente lhes demos. Porque os queremos ver de uma dada forma, mas não temos a dignidade de nos perguntar a nós mesmos se é assim que eles se querem ver.
As pessoas tem cagaço. Tem medo de se descobrir a elas mesmas e, por isso, tentam encobrir aquilo que os outros são, para que a sua verdadeira face não lhes surja espelhada no olhar alheio.
Esse cagaço revela-se na forma impositiva como tentam levar o mundo, querendo impor a sua vontade como a derradeira, a final, e, pior, como a inefavelmente certa. Assim se sentem bem, mas não interessa se quem os rodeia assim se sente bem. O importante é que suas vontades e desejos prevaleçam. O importante é que dêem apenas na medida do mínimo, para que possam usufruir do máximo. Nem que seja usufruir de um abraço ou de um aperto de mãos. E resmungar de cada vez que dão alguma coisa.
O mundo está doente e não há quem o salve. Nem vale a pena. Afoguemo-nos então na nossa individualidade absurda e vivamos sós, encarcerados nas nossas definições e dogmas. Sejamos todos felizes assim… nem que seja na aparência, pois, talvez… talvez assim nem saibamos o que é a felicidade, de tão ignorantes e covardes que sejamos para sairmos de nós mesmos e olharmos para dentro dos outros.
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