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sou um pardal ateu e é isso...

segunda-feira, setembro 04, 2006

Ao Rui

Meu caro amigo,

Espero que o voo te corra de feição, que nenhuma bagagem se transvie, e que rapidamente te adaptes aos costumes e ao local onde te diriges além-mar.

Serão cinco meses e meio em que a tua ausência será sentida. Será sentida nos pequenos-almoços de domingo, em que nos levantávamos cedo, apenas pelo gozo de ir comer, conversar, ler jornais e, muitas vezes, estudar a seguir. Tivemos longas e proveitosas conversas sobre uma panóplia de temas que não é fundamental descrever. De todas as estações do ano, aquela em que nos encontrávamos um menor número de vezes era o Verão, sobretudo após os exames de Julho. De resto, quantas e quantas vezes, com chuva, sol, nevoeiro, calor, frio, vento, íamos acordando ao sabor de uma torrada e uma meia de leite, à qual tu acrescentavas o teu usual bom humor e eu o meu olhar sardónico sobre a vida.
Será sentida nas aulas de alemão e nos trajectos posteriores. As piadinhas, a descoberta de uma nova língua, a integração numa turma, sensações diferentes. Foi onde os nossos papéis se alteraram. Já tinhas sido meu pupilo em três anos lectivos, passaste a ser meu colega de turma durante um. Seriam dois, não fosse esta viagem.
Será sentida nas tardes em que nos encontrávamos, nos almoços com os cretinos de mecânica, nas francesinhas que tanto gostavas.

Percebo que para muitos fosse uma tentação dizer para não te ires, a tua família à cabeça.

Contudo, talvez eu tenha tido o privilégio de ir acompanhando uma hipótese remota, que se transformou numa ideia plausível e que está em rumo de se tornar um sonho concretizado. Sim, falávamos de Florianópolis (e do Brasil de uma forma mais abrangente), antes mesmo de nos passar pela mente ir a Praga. Tendo em conta que fomos a Praga há já um ano e quatro meses, já muita vida nos sorveu pelo caminho.

Pelo que te digo que ainda bem que foste. Sei o quanto o Brasil é importante para ti, o quanto desejavas lá ir. Mesmo que possa não corresponder às tuas expectativas, era algo que tinhas que fazer. Em parte, vivencio um pouco a tua ida, pois não só te acompanhei até ao momento final, em que hoje te despediste no aeroporto, como também é um lugar que muito me diz.
São cinco meses e meio, que para ti, no geral, passarão a voar. São cinco meses e meio sem ti, meu caro amigo. Esperamos cá estar no teu retorno, para te ouvir e ver. Te ver contar histórias e peripécias, te ouvir falar com uma espécie de suspiro a sibilar por entre as palavras. Um suspiro de vida.

Até lá, ou até antes, segundo espero, um abraço valente, e tem a convicção que é um prazer ter-te como amigo. És das pessoas mais puras e com melhor coração que eu conheço. Vai dar aos brasileiros a alegria de te terem em seu seio por uns tempos.
Eles sentirão tua falta quando voltares.
Nós sentimos tua falta agora que partiste.