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sou um pardal ateu e é isso...

quinta-feira, setembro 07, 2006

Quem diria..?

Torna-se impressionante o encarceramento a que algumas pessoas se votam, ainda que contactemos com ele na regular cadência dos dias.
Com efeito, é frequente hoje, talvez como nunca, mas creio que não como sempre, ouvir os queixumes e lamentações de seres humanos que se dizem sentir sós. Não tenho grandes dúvidas que muitos se sintam, de facto, sós. Tenho é dúvidas se eles se aperceberão que, em muitos casos, são eles que criam as próprias condições da sua solidão. Muitos de nós têm a tendência de procurar os outros em algumas situações tipificadas. Sobretudo quando se sentem em baixo e em ocasiões festivas. Quanto a estas últimas, o seu carácter de fatuidade não é propenso a que exprima mais centelhas de prosa a divagar sobre o assunto, excepto aquando de directa conexão com o tema versado. Em relação às situações em que as pessoas se sentem em baixo, é normal que procurem outras para desabafar seus tormentos internos e externos e para recolher apoio.

Sucede que a mesma pessoa que procura outrém quando se sente atacada pela vida, é aquela que se esquece desse outrém quando a vida lhe sorri. Quantos de nós não conhecemos pessoas que, se estão na mó de baixo, querem a nossa companhia, mas, nos seus dias bons, preterem-nos em favor de outras companhias. Há muita gente que se inebria a si mesma, que se deleita com as suas pequenezas, e que nesses momentos, despreza a mesma pessoa que anteriormente quisera a seu lado para lhe aparar as lágrimas. Claro que a pessoa procurada/desprezada (consoante os momentos) sente. E começa a afastar-se, sem que a outra perceba porquê. Aliás, o que há para perceber, de acordo com o seu ponto de vista? É tudo tão natural... ontem estava em lágrimas, precisava da tua companhia, do teu ombro, hoje estou bem, preciso é que não me chateies muito.

Esta perspectiva é utilitarista e apenas não a designo de hedionda, porque muita gente faz isto de forma inconsciente, semi-triturada pelo espírito egoísta de nossos dias. Há gente tão orgulhosa de si própria em determinados momentos, que nem se lembra que para o resto do mundo, esse orgulho pode ser um completo absurdo.
Mas um dia, as pessoas a quem se recorre não estão lá, fartas de se sentirem usadas, manipuladas, ou apenas procuradas quando um outro alguém precisa. As pessoas vão, e se afastam, a maioria das vezes sem nada dizer. E o orgulhoso de suas minudências principia a já não ter ombros. Chora encostado a uma parede ou deitado numa cama. É, de facto, digno de pena. Apenas pena.

Talvez todos nós façamos isto. Não é bom, mas o pior é tomar consciência e continuar a fazer. Sabemos que a vida aproxima e afasta as pessoas. Isso é uma inevitabilidade. Já não o é quando apenas contamos com as pessoas para quando precisamos e depois as deixamos no seu canto até a nossa próxima necessidade. Pode ser que nessa necessidade, elas já lá não estejam. E que sintamos sua falta. Pode ser que não... que apenas recorramos a outro número da nossa lista e encolhamos os ombros, envoltos na nossa própria cegueira, e mergulhemos na penumbra de prolongarmos o ciclo, adiando a agonia até ao dia em que sintamos a mais profunda solidão, a mais perfurante dor de estarmos verdadeiramente sós.

E, se nem assim formos capazes de nos debruçarmos sobre nossos erros e concluirmos que causamos a nossa própria solidão, então seremos incapazes de dela sair e mereceremos plenamente pegar na pá e cravarmos de torrões de terra a nossa tumba, que tão amargamente arquitectamos e edificamos.