A Carteira e o Lenço
E ela estava sentada, perto de si estava a carteira e um lenço. Não era uma tarde fria nem quente, era uma tarde insípida e incipiente. Olhava para a fina espuma do mar. mas nem tinha a certeza de a estar a ver.
Estava sentada. Pensava. Pensava no que evitava pensar. O vento trazia-lhe uma amarga sensação, como se lhe açoitasse o rosto e a alma em simultâneo. Não eram lembranças, eram dúvidas, era o não saber se se quer ser, se as emoções insistem em permanecer.
Olhava para a espuma, olhava para o planar daquelas estranhas aves que voavam junto à água salgada.
Continuava a pensar no que evitava pensar, e pensava que devia evitar pensar.
Talvez fosse pelo mar, talvez fosse sorte e azar, talvez fosse do ar que estava a respirar, talvez apenas lhe sorvesse pensar, mas tudo ia e voltava. Longe de serem as ondas do mar, era o pensamento que se atrevia a pensar.
Como as ondas do mar, para a frente, para trás… seria sempre assim?
Seria ela sempre assim? Ou seria ela, sequer, assim?
Estava sentada, perto de si a certeira e um lenço. O horizonte parecia tão longínquo, tão ténue… a linha do pensamento confundia-se e perdia-se. Divagava ao Sol, enquanto o Sol divagava no céu.
Sabia que hesitava, e que a prudência lhe era natural. Hesitaria o Sol? Hesitaria o Mar? As suas emoções hesitavam… pareciam dormitar… ou seria ela quem dormitava e faria hesitar as emoções?
Algo doía. Era estranho, era como se algo bom doesse. Perguntava-se se o que é bom pode doer. Ou se a dor pode ser boa. Onde guardar a dor? Por melhor que seja o invólucro, por mais seguro que seja o esconderijo, ela foge. E volta. Volta a dor, volta a vontade de doer. De doer uma dor boa.
Era como se a noite se fundisse com o dia, como se os olhos estivessem vendados, e a claridade lhe batesse no rosto. O medo que a solidão estivesse à espreita assustava-a. O medo de ser ela a chamar a solidão petrificava-a. Sabia sentir calor, às vezes achava que o seu calor se escondia.
Desconfiava. Desconfiava da vida, do vento, de si. A carteira continuava ao lado. O lenço voara. O lenço…
À noite, na cama, sentia falta de um afago no rosto, sentia a vontade de um abraço. Sentia a revolta do calor. À noite, na cama, sentia visitar-se a si mesma. Quando seria alguém a visitá-la? Quando permitiria que alguém a visitasse? O medo da dor, de ficar igual ao mar, de as pequenas ondas se transformarem em gigantes vagas, o medo de se extravasarem e a extravasarem, o medo e a vontade. Um dia, quem sabe? Uma outra noite, quem sabe?
A carteira estava pousada na mesa. A luz do quarto estava apagada. A temperatura tépida. Lá fora, o frio, o vento. Algures, o mar. Em si, o sono. Em seus sonhos, a fúria dos elementos, elementos que se abraçavam e a abraçavam. Na rua, um lenço esvoaçava e acompanhava o vento.
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