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sou um pardal ateu e é isso...

quinta-feira, setembro 14, 2006

A Falta da falta da falta (III)

Verdade seja dita, numa fase inicial, tudo se assemelhou a um alívio. O retorno a um tipo de vida e postura tão bem conhecida e entranhada, permitiu-lhe estabelecer algumas pontes de segurança dentro de si. Foi possível reencontrar algumas pessoas e não ter aquela espécie de consciência sempre presente. Entendeu estar a tomar o caminho correcto, sem qualquer sombra de dúvidas. As coisas tinham sido dolorosas e apenas se lhe afigurava como fonte de plausibilidade o término eterno.

Assim, resolveu se ir distanciando lentamente, afrouxando o ritmo dos telefonemas, sabendo que do outro lado o silêncio se instalaria. Não tinha força nem feitio para efectuar o corte de uma só vez. Mal por mal, por muito estranha que fosse a criatura que partilhara a sua vida durante aquele período de tempo, era uma criatura que sabia ouvir e opinar, que não dizia apenas “hum, hum”, quando lhe contava algo ou desabafava algum problema. Não tinham apenas partilhado lençóis para dividir o sono e entregar os corpos. Tinha também procedido à entrega de si, e sabia que podia confiar nesse ser de quem agora desejava o alívio da ausência.

“O que não faltam são outras coisas no mundo. E há, para mim, coisas bem mais importantes”. Esta espécie de mnemónica era repetida diariamente, por si e para si. Os dias iam passando sorridentes logo após a separação. Muitos afazeres, muitas solicitações, pessoas divertidas com quem falar, reencontrar alguns contactos perdidos, visitar amizades. Durante algum tempo, tudo isso fez todo o sentido do mundo e foi preenchendo os dias, que pareciam estar tão cheios. A presença daquela pessoa em si parecia esfumar-se. Já não falavam com frequência. Raramente falavam, aliás. Para quê? Além das diferenças, achava que qualquer um estaria melhor sem o outro. De longe a longe, sentia uma certa falta, mas logo afastava essa ideia da mente.

Decidiu se embrenhar a fundo na profissão. O reconhecimento pelos seus pares era algo primordial para si. Afeiçoou-se por outra pessoa e encetou uma relação. Essa pessoa tinha uma imensidão de afinidades consigo que a outra não tinha. E via a vida de uma forma parecida com a sua. Agora sim, sorria e vivia a vida de forma leve. Nunca se sentira muito à vontade em encetar conversas densas e profundas. Já não mais. Isso ficara completamente para trás. Ou quase. De quando em quando, vinha-lhe a imagem daquela pessoa à mente. Mesmo com outro alguém ao lado. Seria uma questão de tempo, com certeza.

Tempo que foi passando, os dias sucediam-se de forma gulosa. A sua relação começou a sofrer um natural desgaste, mas como ambos preferiam evitar as discussões, os problemas pareciam que não existiam. Mas estes foram se fazendo notar cada vez mais, até que se tornou impossível não efectuar uma separação. Mais uma relação terminara, e mais uma vez, achava que não sabia exactamente porquê. Em que poderia falhar? O que faria de errado? Onde andaria… não, era melhor nem pensar nisso. Já há algum tempo que não falavam e sentia-se bem assim.

Nessa noite, em seu quarto, em sua cama, era aquele ser tão diferente de si que lhe vinha à mente quando pegava no telemóvel para falar com alguém. Claro que não o fez. Varreu outros nomes da lista telefónica e evitou dar vazão aquele ardor, aquela vontade de desabafar com esse estranho ser, que se inculcara em si mais do que algum dia sonhara. Caramba, saberia bem ouvir aquela voz, sentir o conforto daquelas palavras que, mesmo duras, eram certeiras. E como agora sentia que eram certeiras…

Aguentou mais uns dias, mas acabou por ceder à tentação e marcar os algarismos que formavam o número que tantas vezes ligara no passado. Chamou, mas ninguém atendeu. Não tinha atendedor de chamadas. Não podia deixar recado. Pensou em deixar uma mensagem escrita, mas reflectiu e pensou que não necessitaria de fazer mais nada. Obteria, por certo, uma chamada de retorno. E se não obtivesse? E se não tivesse resposta? Oh, não deveria ter ligado. E agora? Agora apenas poderia tentar de novo ou fingir que não o tinha feito. Se lhe ligassem de volta, o que diria? Que se enganara no número? Que ligou por ligar? Apenas para saber se estava tudo bem? A ansiedade crescia. E, sem se aperceber, em poucos segundos, tudo o que julgava morto e enterrado, viveu em si outra vez

(Continua)

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Vim aqui parar por acaso e fui surpreendida com essa bela história. Tenho uma amiga que vive assim mesmo, só pensava em fama e grana. Se separou e agora vive reclamando da vida. Tem todo o luxo que o dinheiro pode pagar, mas, te juro, parece essa mulher de sua história.. tou pra saber como vai acabar.

12:28 da tarde  

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