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sou um pardal ateu e é isso...

segunda-feira, setembro 18, 2006

A Falta da Falta da Falta (V)

Contudo, o mais inesperado aconteceu após um encontro, um faustoso encontro, realizado numa bela cidade, e em que ficou hospedada num luxuoso hotel, a expensas da organização.
Tudo correra bem. A sua palestra fora um sucesso. Mas a do colega que a antecedera não correra muito bem. Ele estava extremamente agitado e nervoso, apesar de deter uma assinalável experiência em situações do género. E, quando terminou, saiu a toda a pressa. Aquando do fim da sua própria participação, perguntou a uma amiga que a acompanhara, se tinha noção da razão pelo qual o colega se apresentara assim. A amiga disse-lhe que correra um burburinho pela sala, comentando que o filho mais velho dele tinha sido atropelado e estava bastante mal no hospital.
“Coitado! Pelo disso estou eu livre”

No hotel, antes de dormir, sentiu um peso no peito, uma estranha agonia. Imagens confusas povoaram-lhe a mente. Aquele colega tinha o filho no hospital, e fora a correr, de volta ao seu país de origem, para ir ter com ele. Ela não tinha filhos ou marido para quem correr, a quem dar um abraço apertado. Já não estava em idade para uma gravidez que não fosse de risco, já não se poderia dar a esse luxo, nem tinha vida para isso. Bem ou mal, o seu sucesso profissional assumira o foco central da sua existência. Como lhe fora dito um dia. Por ele. Ele... ele era mesmo estranho. Ele havia lhe dito que ela se lembraria muitas vezes de suas frases, opiniões, sentenças, conselhos, alertas, avisos. Lembrava, claro que lembrava. Lembrava com muita força e naquele momento apenas queria estar aconchegada a ele, num outro lugar, numa casa, em que no quarto ao lado dormissem crianças. As crianças... chegou a cogitar nomes para elas, pelo menos falara-lhe nisso...

Porquê? Porquê esta angústia, porque motivo parecia que ele nunca tinha ido embora, parecia que estava sempre à sua volta? Porque se lembrara dele neste momento de dor? Exacto... dor... a dor da solidão... quem lhe dera largar tudo...

“Não, preciso é de umas boas férias. Aquelas com que ando a sonhar há já muito tempo!”
E, se assim pensou, melhor o fez. Fez uma excursão pelo Oriente, com todo o luxo que o dinheiro pudesse pagar. Conheceu gente, foi galanteada por alguns homens de nível, visitou lugares exóticos, foi a bares, festas e outros eventos que adornam os pacotes turísticos. Riu, gargalhou, dançou, passeou.
De volta ao seu país de acolhimento, de volta ao local onde levava a cabo o seu projecto, teve uma crise de choro que a fez gritar. Não percebia, o que se estaria a passar?

Ano e meio se passou desde então e voltou a Portugal. Com o seu nome reconhecido por toda a comunidade profissional. Com a fama granjeada, com o seu prestígio, muita gente se aproximou dela. A solidão que sentira ao longo dos últimos anos tendia a dissipar-se. Fez novas amizades, mas depressa se deu conta que as novas amizades se desfaziam bem mais depressa que as velhas, tão logo as pessoas deixassem de ter motivos de interesse para as outras.

Mas singrava e ganhava dinheiro. Alguns dos antigos amigos retomaram o contacto, ainda que esporádico. Outros agiam de forma seca ou indiferente. Não percebia.

A cama, à noite, parecia-lhe sempre enorme.

A casa, ao chegar, parecia sempre vazia.

Ao longo de todo este tempo, sempre se apoiara profissionalmente em alguém que considerava o seu mentor. Alguém que conhecera há muitos anos e que a impulsionara a crescer, a ter ambição e querer ir longe. Trocavam e-mails regularmente, e até levaram a cabo alguns projectos em parceria, incluindo dois livros. Um dia desabafou com ele, escreveu uma carta electrónica em que falou do peso que carregava e que não sabia explicar. A resposta que ele lhe deu não a afagou, apenas lhe causou algumas cefaleias. “Minha querida, não tens razão de queixa, pois és uma mulher realizada, conseguiste ascender até onde pretendias, tens a admiração e a inveja dos teus pares. O que sentes são fraquezas momentâneas, talvez motivadas por algum cansaço, mas certamente encontrarás o tónus que te permitirá fortificar o teu espírito. Que tal um novo projecto? Estou a pensar em retomar aquele tema da...”
Queria ela, naquele momento, lá saber do que ele pensava em retomar. Ela queria um carinho, um afago, sob a forma de compreensão. Queria que ele lhe dissesse que nem tudo eram rosas, que havia uma claustrofóbica incompletude naquela vida, a vida em que até o tempo livre, estranhamente, lhe soava a uma prisão.

(Continua)

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Vim aqui parar por acaso e fui surpreendida com essa bela história. Tenho uma amiga que vive assim mesmo, só pensava em fama e grana. Se separou e agora vive reclamando da vida. Tem todo o luxo que o dinheiro pode pagar, mas, te juro, parece essa mulher de sua história.. tou pra saber como vai acabar.

12:32 da tarde  

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