Stress, Depressão & Síndrome de Pânico

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sou um pardal ateu e é isso...

quinta-feira, maio 14, 2009

Frio nos Pés

Tanto frio nos pés… o frio que sobe pelos tornozelos, trepa pelos gémeos, chega aos joelhos, percorre as coxas e espraia-se tronco acima… mas é curioso como habitualmente os genitais escapam à sensação de frio.


O frio… tanto se sente nos ossos, como nos olhos. Tanto se sente na pele, como no espírito. O frio não é matéria, não é tangível, não é palpável. Mas sente-se. Logo deve existir. Os meus pés acham que sim. Que o frio existe. Então, onde está? Onde está o frio? Eu não vejo o frio. Observo os seus efeitos, observo os carros, a erva gelada pela manhã, observo as grossas roupas que cobrem nossos corpos, observo o fumo que sai das lareiras das casas, observo as luvas nas mãos, observo os tremores de quem espera um autocarro fora de horário numa paragem, observo a forma como ambas as mãos parecem acariciar a chávena de café que fumega, observo a pele seca da miúda que está ao lado na confeitaria, observo os vidros embaciados, observo o toque gelado de um apertar de mãos.



Mas não vejo o frio.



Haverá frio dentro de nós? De tanto frio que tantas vezes aos outros damos, quanto não será proveniente dos nossos medos, dos nossos anseios, das dúvidas, hesitações, de angústias e remorsos? Quanto frio não encobre o orgulho numa fina capa cinzenta, para que não se observe o vermelho magoado lá dentro? Quanto frio não surge para disfarçar a timidez, para esconder uma paixão que brota, cuja nascente se tenta desesperadamente tapar e que apenas conseguimos fazer que comece a alterar o seu curso.



Racionais? Sim, claro. Mas frios… existe alguma piada num abraço frio? Existe algum carinho num beijo frio? Existe alguma beleza num olhar frio?


Existe frio? Sei lá… mas se gelo existe para ser quebrado, arregacemos as mãos e saquemos da picareta. Aquecida no fogo. Não há frio que não derreta.



E, se acaso em teu leito, sentires se aproximar o sono frio da morte, recorda-te que “A escuridão é pior que essa luz cinza, mas estamos vivos ainda” (Legião Urbana – Natália).



Desconheço o poder das palavras e seus efeitos, mas o certo é que passou o frio nos pés.

quarta-feira, maio 13, 2009

Poemas

Poemas e dilemas, poemas e problemas
Poemas e sistemas, temas são poemas.
Em poemas te elevas
E te relevas
Em poemas te revelas e te dilatas
Em poemas te maltratas
Sob a égide da cupidez
Sob o manto da acidez
Em poemas serás virgem
Em poemas serás gente
Em poemas te atingem
E te esculpem a mente
Serás inteligente?
Farás frente a alguém demente que ataque de repente?
Abandonarás a frigidez do teu palato?
Abraçarás a verve de um novo trato?
E quando te pintam o retrato, qual estrela de cinema,
E te revolvem os cabelos,
E retocam tua cálida pele morena,
Ainda assim serás poema?
Ou serás a esfinge dogmática,
A redutora maresia estática,
A pena que adorna a caligrafia,
Que te angustia,
E o perverso pensamento embacia?
Poema, ente masculino,
Tanto retratas o feminino
E rejeitas teu estulto destino

A Carteira e o Lenço

E ela estava sentada, perto de si estava a carteira e um lenço. Não era uma tarde fria nem quente, era uma tarde insípida e incipiente. Olhava para a fina espuma do mar. mas nem tinha a certeza de a estar a ver.

Estava sentada. Pensava. Pensava no que evitava pensar. O vento trazia-lhe uma amarga sensação, como se lhe açoitasse o rosto e a alma em simultâneo. Não eram lembranças, eram dúvidas, era o não saber se se quer ser, se as emoções insistem em permanecer.

Olhava para a espuma, olhava para o planar daquelas estranhas aves que voavam junto à água salgada.

Continuava a pensar no que evitava pensar, e pensava que devia evitar pensar.

Talvez fosse pelo mar, talvez fosse sorte e azar, talvez fosse do ar que estava a respirar, talvez apenas lhe sorvesse pensar, mas tudo ia e voltava. Longe de serem as ondas do mar, era o pensamento que se atrevia a pensar.

Como as ondas do mar, para a frente, para trás… seria sempre assim?

Seria ela sempre assim? Ou seria ela, sequer, assim?

Estava sentada, perto de si a certeira e um lenço. O horizonte parecia tão longínquo, tão ténue… a linha do pensamento confundia-se e perdia-se. Divagava ao Sol, enquanto o Sol divagava no céu.

Sabia que hesitava, e que a prudência lhe era natural. Hesitaria o Sol? Hesitaria o Mar? As suas emoções hesitavam… pareciam dormitar… ou seria ela quem dormitava e faria hesitar as emoções?

Algo doía. Era estranho, era como se algo bom doesse. Perguntava-se se o que é bom pode doer. Ou se a dor pode ser boa. Onde guardar a dor? Por melhor que seja o invólucro, por mais seguro que seja o esconderijo, ela foge. E volta. Volta a dor, volta a vontade de doer. De doer uma dor boa.

Era como se a noite se fundisse com o dia, como se os olhos estivessem vendados, e a claridade lhe batesse no rosto. O medo que a solidão estivesse à espreita assustava-a. O medo de ser ela a chamar a solidão petrificava-a. Sabia sentir calor, às vezes achava que o seu calor se escondia.

Desconfiava. Desconfiava da vida, do vento, de si. A carteira continuava ao lado. O lenço voara. O lenço…

À noite, na cama, sentia falta de um afago no rosto, sentia a vontade de um abraço. Sentia a revolta do calor. À noite, na cama, sentia visitar-se a si mesma. Quando seria alguém a visitá-la? Quando permitiria que alguém a visitasse? O medo da dor, de ficar igual ao mar, de as pequenas ondas se transformarem em gigantes vagas, o medo de se extravasarem e a extravasarem, o medo e a vontade. Um dia, quem sabe? Uma outra noite, quem sabe?

A carteira estava pousada na mesa. A luz do quarto estava apagada. A temperatura tépida. Lá fora, o frio, o vento. Algures, o mar. Em si, o sono. Em seus sonhos, a fúria dos elementos, elementos que se abraçavam e a abraçavam. Na rua, um lenço esvoaçava e acompanhava o vento.

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