Stress, Depressão & Síndrome de Pânico

Nome:

sou um pardal ateu e é isso...

terça-feira, maio 30, 2006

Desencanto

Dou por mim a ter necessidade de escrever algo, e esvoaçam em minha mente montanhas de temas, mas tenho a profunda dificuldade de me decidir seja por qual for. E seria insensato pensar em falar de todos, pois tal tornar-se-ia uma amálgama retorcida e inconsequente.

Decidir sobre qual o tema a falar no meio de tanta insensatez que rodeia o ar que eu respiro não se torna fácil. Podia discorrer sobre a temática de os professores passarem a ser avaliados pelos pais dos alunos (estamos a trilhar um caminho muito interessante…), ou pela dificuldade crescente em admitir a reprovação qualquer que seja o nível de um aluno, ou pelo facto de a universidade se ter transformado num depositório de imbecis que se julgam com direito a ter um curso, pelo mero facto de existirem e serem presenças assíduas em praxes, festas, festivais de tunas e queimas.

Podia abordar o facto de se formarem continuamente gerações de seres agarrados à superficialidade, para quem a vida se espelha em blockbusters, em capas de revistas ou em reles programas de televisão.

Adianta? Não, de nada adianta. As pessoas lêem e continuam a fazer as mesmas coisas, a viver a sua vidinha reles e voltada para dentro. É muito fácil dizer que se admira alguém que não é mais que uma imagem holográfica que passa nos canais de comunicação e defender-se essa criatura com unhas e dentes, mesmo que essa criatura seja um verdadeiro verme. O que as pessoas absorvem é a imagem. Porque é mais fácil e não custa esforço.

Mais do que em épocas como a da Grécia Antiga, ou a Romana, efectuamos o culto da beleza. O mais interessante é que as definições do que é belo são tão vertiginosas e vorazes, que o que hoje é belo, amanhã já não o é. Pedimos aos que nos rodeiam para mudar a aparência, para que mais se adeqúem ao que pensamos estar de acordo com os nossos conceitos de estética, e pedimos e exigimos essa continua mudança, porque somos asquerosamente egoístas e umbiguistas, porque martelamos e insistimos crapulamente no receber, evitando dar.

Mesmo dando somos egoístas. Difusas vezes presenteamos os outros com algo que gostamos, mas que eles podem gostar ou não. Oferecemos-lhes roupa e acessórios, não porque eles precisem ou queiram, não porque eles se sintam bem com nossas oferendas, mas porque nós nos sentimos bem com a utilização por parte deles daquilo que tão empenhadamente lhes oferecemos. E ficamos magoados se os destinatários não se sentem impelidos a utilizar o que laboriosamente lhes demos. Porque os queremos ver de uma dada forma, mas não temos a dignidade de nos perguntar a nós mesmos se é assim que eles se querem ver.

As pessoas tem cagaço. Tem medo de se descobrir a elas mesmas e, por isso, tentam encobrir aquilo que os outros são, para que a sua verdadeira face não lhes surja espelhada no olhar alheio.

Esse cagaço revela-se na forma impositiva como tentam levar o mundo, querendo impor a sua vontade como a derradeira, a final, e, pior, como a inefavelmente certa. Assim se sentem bem, mas não interessa se quem os rodeia assim se sente bem. O importante é que suas vontades e desejos prevaleçam. O importante é que dêem apenas na medida do mínimo, para que possam usufruir do máximo. Nem que seja usufruir de um abraço ou de um aperto de mãos. E resmungar de cada vez que dão alguma coisa.

O mundo está doente e não há quem o salve. Nem vale a pena. Afoguemo-nos então na nossa individualidade absurda e vivamos sós, encarcerados nas nossas definições e dogmas. Sejamos todos felizes assim… nem que seja na aparência, pois, talvez… talvez assim nem saibamos o que é a felicidade, de tão ignorantes e covardes que sejamos para sairmos de nós mesmos e olharmos para dentro dos outros.

quinta-feira, maio 18, 2006

Cortes e Rupturas

Por alguma razão que a minha mente mantém encerrada em suas profundas catacumbas, dei por mim a deitar fora parte do meu passado. Não, não renegá-lo, o que se viveu faz parte de nós.

Mas é querer e saber que essa parte de nós deve ser uma lápide que, por mais bela e trabalhada que seja, não deverá passar de exactamente isso: uma lápide.

Seja uma questão de equilíbrio ou mera sanidade mental, seja uma questão de higiene ou uma questão de falta de espaço, o certo é que, por muito que eu não goste dos Delfins, há uma frase de uma música deles que tem muita razão de ser: “A queimar o meu passado, p’ra curtir o meu futuro” (a música chama-se Sal).

Amplas vezes nos agarramos ao nosso passado como forma de nos protegermos do presente e fugirmos do futuro. Abraçamo-nos a amores perdidos, paixões mal vividas, amizades desfeitas, passatempos antigos. Abraçamo-nos àquilo que fomos e já não somos mais. Na tentativa de nos iludirmos. Fazermos de conta que somos imutáveis. Eternizar o temporário. E, com frequência, assassinar o que à nossa frente está.

Por questões históricas, culturais e genéticas, a mulher é algo mais propensa a se agarrar ao passado que o homem. Ela tem uma maior necessidade de segurança e protecção. Então, tende a refugiar-se em momentos confortáveis do passado. Enquanto se abriga nesse morno refúgio, muitos outros momentos do presente e do futuro se lhe escapam por entre os dedos.

Contudo, a mulher é igualmente capaz de efectuar os cortes mais radicais com o seu passado quando encontra uma forte razão para ir em frente. Estranho bicho este…

O passado… o passado são e-mails que se apagam, cartas que se rasgam, fotos que não se revelam e outras que se somem… são objectos cujo significado nos pede para ser esquecido, são memórias que suplicam para serem naufragadas, para saudavelmente darem lugar ao novo.

Todos nós tivemos importantes amizades no passado. Se fizermos um esforço, amigos e amigas que julgámos em certas alturas que nos acompanhariam para o resto da vida… hoje, onde estão? E será que nos fazem assim tanta falta, ou, se pelo caminho ficaram, é porque o seu papel em nossa vida (e o nosso na deles) estava cumprido?

Existe ainda um outro factor: há amizades que são adequadas e importantes em algumas alturas da nossa vida, mas que se podem dissolver ou mesmo tornar-se prejudiciais em outras. As amizades não são constantes, conforme as pessoas se vão alterando, podem seguir rumos que se dissociem definitivamente. Uma das razões é que, coisas, gestos, atitudes, formas de estar na vida, que nos pareceriam, por exemplo, muito acertadas para os 25 anos, se revelarão um desastre se forem mantidas aos 35. isto não é envelhecer no sentido metafórico. É envelhecer no sentido literal. O corpo envelhece, a mente adapta-se, ou cristaliza-se num ideário ultrapassado que, de querer parecer eternamente jovem, se torna uma múmia em si. Querer viver aos 35 da mesma forma que aos 25, é recusar-se a aceitar que há coisas que já lá foram. Terão sido boas ou razoáveis ou más (a nossa mente aí prega-nos partidas, pois, por uma questão de sobrevivência do interior, valorizamos mais as boas). Terão. Foram. Já não são. Por muito que queiramos dizer que continuam a ser.

Um grande amigo ou amiga numa dada idade pode, assim, se tornar um sério empecilho mais tarde. Assim como um(a) colega um(a) ex-namorado/a, ou mesmo pequenas recordações materiais.

O raciocínio fica incompleto, e aberto a sugestões.
Voltarei a este tema mais tarde. Em breve retomarei o tema da música, conforme prometi há algum tempo, e que foi deixado em aberto há algumas crónicas atrás.

Até lá, que os dias se sucedam numa cadência irregular, para não nos transmitir nem uma sensação de rotina, nem de enfartamento.

quarta-feira, maio 17, 2006

Não Sonho Mais

Esta letra do Chico Buarque vem mesmo a propósito de um sonho que tive esta noite... e que me colocou num gritante estado de tensão. Lavemos a alma, então.

Chico Buarque
Não Sonho Mais

Hoje eu sonhei contigo, tanta desdita, amor nem te digo
Tanto castigo que eu tava aflita de te contar

Foi um sonho medonho desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha, e se urina toda e quer sufocar

Meu amor vi chegando um trem de candango
Formando um bando mas que era um bando de orangotango pra te pegar
Vinha nego humilhado, vinha morto-vivo, vinha flagelado
De tudo que é lado vinha um bom motivo pra te esfolar

Quanto mais tu corria mais tu ficava, mais atolava
Mais te sujava, amor, tu fedia, empesteava o ar
Tu que foi tão valente chorou pra gente, pediu piedade
E, olha que maldade, me deu vontade de gargalhar

Ao pé da ribanceira acabou-se a liça e escarrei-te inteira
A tua carniça e tinha justiça nesse escarrar
Te rasgamo a carcaça, descendo a ripa, viramo as tripas
Comendo os ovos, ai, e aquele povo pôs-se a cantar

Foi um sonho medonho desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha e se urina toda e já não tem paz
Pois eu sonhei contigo e caí da cama
Ai, amor, não briga, ai, não me castiga
Ai, diz que me ama e eu não sonho mais


(estranho mundo o dos sonhos...)

segunda-feira, maio 15, 2006

Mutação em Público

Por vezes, de forma inadvertida, acabamos por ouvir conversas alheias, ou, pelo menos, excertos delas em alguns lugares públicos. Não vem daí grande mal ao mundo, e até pode existir alguma utilidade, por forma a reflectirmos sobre determinados temas, que poderiam não nos passar pela cabeça.

Vem este preâmbulo a propósito do que me motivou a escrita de hoje.

Duas mulheres conversavam num café. Falavam sobre os maridos, efectuando comparações sibilinas. Eis algo que entre mulheres é comum. As mulheres são capazes de ter uma entreajuda excepcional, e, simultaneamente, levantar dúvidas assassinas. E são capazes de o fazer às suas melhores amigas, o que é extraordinário.

Essas mulheres tinham, na aparência, posturas diferentes sobre seus matrimónios. E, mais que na aparência, na atitude, também. E seus maridos também. Como sempre. Cada caso é um caso. Cada dia é um dia.

E, eis que uma delas diz à outra, “Eu não percebo como é que tu consegues falar do … (o nome é omitido), como se ele fosse o centro do teu universo com esse ar sorridente”; Resposta imediata e rasteira “Porque ele é o centro do meu universo. O ar sorridente, tu nunca conseguirás compreender…”

Ora, ser o centro do universo de alguém?

E sorrir? E ser feliz?

À primeira vista, numa análise individualista, pode causar horror. Pelo menos um certo asco… bom, ok, talvez não asco, mas um arrepio. Ou estranheza. Ou desconfiança.

Porque viver em função de outra pessoa (e é disso que aqui se fala) pode ser mau. Pode. De facto, à primeira vista, pouco haverá de bom. Viver em função de outra pessoa soa a uma auto-limitação muito grande. Parece uma prisão. Parece que não existe mais nada à volta. Parece.

Não existirá? Será que por existir o Sol e a Terra girar em seu redor, não continuam a existir outros planeta e seus satélites, estrelas, cometas, asteróides? E será que a Terra é menos Terra por girar à volta do Sol ou o Sol é mais Sol por isso?

Caramba, comecei a ficar confuso. Eu sou muito individualista, confesso. Mas percebi o que a senhora quis dizer. Ela não deixara de ser quem era por se ter centrado em função do seu marido. Creio mesmo que ela se desenvolvera. Como a Terra se foi desenvolvendo, girando em torno do Sol (e não deixou de girar em torno dela própria).

Isto começou a tornar-se uma luta contra meus dogmas… acho que ainda não acabou… vejamos…

Como é evidente, numa relação, existem abdicações e cedências de parte a parte. Em alguns momentos, essas abdicações são fáceis e noutros são difíceis. Algumas vezes as pessoas não imaginam que levar uma relação a sério implica pequenas enormes alterações.

O que, de forma lamentável, amiúde se esquecem, é do que é criado novo em uma relação. A criação de um “nós” vem alargar os horizontes do “eu”. Senão, o que seria um casamento? Um chegar a casa, dar as boas noites, contar como foi o dia de trabalho, ir dormir, e por aí fora? Casar não é exacerbar a individualidade, por muito que isso custe aos membros de cada casal. Casar é ser capaz de entregar e receber, de abnegar e de obter. Casar é amar. Não se ama querendo continuar a ser o que se é.

E pode-se pensar “amar não é depender”. Ah, não? Então é o quê? Amar é a única forma de dependência que liberta. Quando se ama procura-se a pessoa, ri-se, chora-se, discute-se, batalha-se em conjunto por alguma coisa. Amar é desencontrar e reencontrar. E não passar sem algo. Sem alguém. Na ausência da pessoa, gera-se uma ferida.

E isto significa que as pessoas se estão a anular? Porque significaria? Só porque sentem algo desmedido que as faz querer sentir próximas do outro? Ou significa que as pessoas se estão a recriar?

Goste-se ou não, o amor é a droga mais potente que existe, e, sim, gera dependência. Se não gerasse, não seria amor. Quem não o quer que o largue, quem o quer que o agarre.

Amar implica mudar formas e estilos de vida, alterar antigos hábitos e gerar novos, implica o sacrifício e a descoberta, e implica, sim, viver em função da outra pessoa. Isso não significa o fim daquilo que somos, mas antes um novo começo. E uma complementaridade impossível de obter por outra via.

Mas percebo as reservas (aliás, as minhas são imensas e apenas aos poucos fui vencendo minhas ideias pré-definidas): não se sabe onde se vai parar e, além do medo, há sempre aquele egoísmo natural que nos faz dizer à boca cheia: eu não vou deixar de ser quem sou. Ah, vou, vou. Quer goste, quer não goste. O segredo é ir gostando…

Quando as pessoas amam profunda e visceralmente, acabam por se ligar de forma umbilical. De forma mútua. Daí o se tornarem o centro do universo um para o outro. Claro que continua a existir o mundo em volta. Mas até esse mundo ganha uma outra cor com o tempo. Às vezes dá vontade de voltar atrás. Dá. Mas não se volta. A atracção gravítica não deixa. A fusão celular não o permite.

Parece mau? Talvez… nem toda a gente está preparada para isso… e eu próprio estou ainda a tactear nesse sentido. Mas é inútil fazer finca-pé e dizer que se acha ridículo e perigoso “viver em função da outra pessoa”. Não adianta, ou se vive mesmo e assim se ama, ou não se vive e pensa-se que se ama. O amor não tem meios termos, alimenta-se de extremos. Os extremos que não se vive quando, num matrimónio, se continua a privilegiar o resto e não o parceiro. Então, não se ame. É uma opção de vida. Que mata o amor. E reduz a Vida à vida. Parece igual. Parece. É apenas uma questão de uma letra. Uma pequena maiúscula questão.

Confesso que resolvi debater o tema com duas amigas minhas muito diferentes antes de escrever esta crónica. Surpreendentemente, ou talvez não, ambas me deram a mesma resposta: é inevitável quando se ama a sério que a outra pessoa se torne a nossa vida e vice-versa. É uma questão de tempo. E isso não é prejudicial (conforme me disse uma delas, “como tu deves estar a pensar, ou já não te conhecesse eu há muitos anos”. Obrigado pela boca…). É saudável. Mais que destruir, constrói.

Acredito… mas assusta como o caralho!

Sobre o que me assusta, escreverei, quem sabe, outra crónica.

Queria agradecer às duas anónimas senhoras a oportunidade de utilizar um excerto da conversa. Queria agradecer às minhas amigas (que manterei no anonimato também) o terem discutido comigo o assunto e me terem forçado a reflectir profundamente, sem restrições ou bloqueios.

E queria dizer que talvez agora entenda um pouco melhor quando ouço, na boca de algumas mulheres (um homem é raro dizer isto), a expressão “minha vida”. E, sim, percebo, pelo menos em parte, o sorriso da senhora do café. Fazem falta mais sorrisos desses…

quarta-feira, maio 03, 2006

Ensaio sobre a (in)fidelidade

Muita coisa se diz e escreve sobre infidelidade nos dias de hoje (e no passado recente). Desde pontos de vista intolerantes a qualquer tipo de infidelidade numa relação até pontos de vista desculpabilizantes de todo e qualquer acto que pareça ser justificado pela individualidade humana e pelo direito a uma poligamia de facto (ainda que monogamia de nome), temos uma panóplia de argumentos tecidos por uma diversa gama de cientistas sociais (e mesmo naturais), filósofos, psicólogos e quejandos.

Contudo, as argumentações pró e contra infidelidade esbarram em si mesmas e pecam por partirem de premissas morais e individuais, em vez de partirem da premissa do ponto de vista da relação em si e do casal.

Como exemplos de argumentação, entende-se amplas vezes como tolerável que exista uma infidelidade numa relação, pois, por exemplo, pode a pessoa que se encontra ao lado (independentemente do sexo da pessoa ou do tipo de relação) não completar a outra em determinados sentidos (o mais comum dos quais o sexual).
Ou seja, temos um casal. As coisas não correm bem, uma facadinha é tolerável. Pode até ser. Vejamos é estes argumentos mais a fundo e encarados sob outra perspectiva.

Ceder a infidelidades é mais do que ceder a si mesmo e trair o outro. A verdadeira traição é do sentimento que se possui por dentro e que se espelha na relação.
A infidelidade é mais comum (e assumida) nos dias de hoje, pela mesma razão que é apontada para o crescente número de divórcios: o direito a ser feliz. Certo, muito bem, todos temos o direito à felicidade. É pena que esta nos seja vendida e apresentada como sabonetes: fácil de comprar, usar e gastar. Será isso a felicidade?

O ser humano tende a alojar-se em extremos e facilitismos. E, sobretudo nas sociedades ocidentais, parece se ter esquecido da profundidade que implica uma relação a dois. Em tempos, não tão distantes quanto isso, uma relação era para toda a vida, quaisquer que fossem as circunstâncias, incluindo violência. Este disparate forçado por uma ordem moral castradora foi trocado por outro que é quase o seu simétrico: ao fim de poucas dificuldades e brigas, desiste-se da relação e tenta-se outra. No primeiro caso, a relação era uma camisa de forças (sobretudo para o elemento feminino); no segundo caso, a relação é uma camisaria, em que se vão experimentando diversas camisas, sem nunca se optar, de facto, por nenhuma.

Nenhum destes casos privilegia a luta a dois que uma relação deve ser. Não uma luta contra, mas uma luta por. Claro que isso representa um caminho árduo, e quem quer caminhos árduos numa sociedade Prozac, do antidepressivo e do prazer imediato? Quer caminhos árduos quem acha que estar aqui faz sentido com alguém especial que faça sentido partilhar aquilo que verdadeiramente somos e o que temos para dar, aquilo que queremos e que achamos que apenas a outra parte pode completar.

Claro que isso implica violar e romper fantasias e efectuar adaptações; aceitar que a outra pessoa não é perfeita e tem defeitos. Aprendermos nós mesmos a, mais que aceitar esses defeitos, entender que são defeitos aos nossos olhos e que o problema pode estar (ou não) em nós. Tentar criar ligações, tentar ir avante em conjunto. Uma relação em que haja plenitude de entrega é uma relação que saiba gerar um terceiro caminho. Todos nós temos hábitos e caminhos individuais. Quereremos ser individualistas toda a nossa vida? Aceitar as limitações do outro equivale a aceitar as nossas próprias, e entender que nada será nunca perfeito. Assim se encontrará a beleza das imperfeições.

Entender a outra parte da relação é mais que meio caminho para não fazer uma troca de camisa ou uma infidelidade momentânea. Explorar todo o interior do companheiro que está ao nosso lado não leva tempo… leva toda a vida. E haverá outra forma de atingir a plenitude numa relação?

Sim, claro, pode-se sempre pensar… eu gostaria que ele/ela fosse assim ou assado, como não é, vou fazer algo com outro alguém… além de conveniente, é uma farsa interna.

Nesse caso, eu tenho um casamento com a Carla, vou dando umas com a Marta e tenho um affair com a Guida, e assim me completo, certo? Se calhar, a Carla é uma óptima mulher, mas a Marta fode melhor e a Guida sabe manter um caso picante… (o mesmo é válido para o reverso da medalha, mulheres em relação a homens e também para casais homossexuais). E todos aceitamos isto alegremente, porque, afinal, isto potencia o desenvolvimento do Eu, não é?

Não, não é. Isto apenas potencia conflitos internos desnecessários e egoístas. Repita-se: se temos alguém ao lado, cabe a nós aceitar que esse alguém não é perfeito. Mas também é verdade que explorar quem está ao nosso lado dá muito mais trabalho e é muito mais difícil que arranjar um(a) amante… dá mais trabalho, mas apenas isso faz a solidez de uma verdadeira relação. A entrega desmedida mútua permite eternizar o amor entre duas pessoas que, de facto, se gostem e pretendam ficar juntas.

Claro, cada um vive a vida como entende… ou como sabe…

Gostaria de dedicar este texto aos meus avós e também à minha grande amiga Maria Helena Coelho, bem como à memória de Carlos Coelho. Foi em vocês que me inspirei para o escrever, vocês que sabem o que é lutar uma vida em conjunto, sem sequer pensar ceder a tentações fáceis.