Olá, um sorridente olá neste belíssimo dia.
Sim, está frio e ainda não se vêem os sinais da Primavera (com as meninas a usarem uns decotes mais descarados), mas para lá caminhamos.
Caminhar… cada um caminha da forma que entende e para o rumo que define… ou não.
Nunca vos aconteceu caminhar sem destino certo? Começar a calcorrear o chão, sem sequer olhar para o piso, os olhos vidrados… e deixar-se ir, a mente envolta numa espécie de celofane etéreo, que se instala sem darmos conta…
Claro que todas as caminhadas têm percalços. E isso apenas as torna memoráveis. Quando se prende o pé num ramo, quando se escorrega, quando se tropeça, quando se dá de caras com um buraco… mas também quando uma paisagem nunca antes vista é descoberta.
O mais interessante, é, contudo, a mudança de rumo que muitas vezes se imprime à caminhada. Pequenas inflexões pontuais podem alterar completamente os lugares a percorrer, na caminhada sem fim a que nos devemos propor. Ora, tem alturas em que uma força exógena nos obriga a alterar a forma de caminhar, e, o que à primeira vista poderia parecer mau, torna-se bastante agradável e mesmo suave. Uma caminhada pode mesmo mudar de aroma. Trocar os mirtilos pelo carvalho.
O verdadeiro caminhante adapta-se ao terreno. E não pára, a não ser para repousar ou ingerir alimentos. E, mesmo o mais belo terreno, com a mais sublime vista, pode se tornar apenas um lugar de passagem, que o caminhante recordará com um sorriso. Sorriso saudoso, a início, melancólico, depois e distante no final.
Frequentes vezes são as próprias condições do terreno que, ao gerar alguma espécie de desconforto ao caminhante, o impelem a que não se detenha. Terrenos demasiado planos tornam-se monótonos, terrenos demasiado pedregosos são bons para olhar ou escalar, mas nunca para caminhar. O caminhante gosta de variar, gosta de descobrir novas formas no terreno, pequenos lugares recônditos, lugares serenos como um prado, lugares agitados como uma cascata.
O caminhante afasta-se depressa de terrenos demasiado regulamentados. O excesso de plaquinhas do género “não pise a relva”, ou os caminhos demasiado definidos, sem margem para colocar um pé fora do trilho, geram no caminhante uma sensação de asfixia e de condicionamento, que um caminhante, obviamente, não suporta. O caminhante prefere lugares pouco explorados e com a natureza livre do que o cerceamento de um parque, que, pode ser muito belo à vista, mas pouco propício à caminhada.
O caminhante não tem sempre a mesma velocidade nos pés. Se, num terreno relativamente selvagem, ele pode ir variando a sua passada de acordo com as condições do relevo, num parque ordenadinho, ele não pode andar demasiado depressa nem demasiado devagar, o que transforma a caminhada num looooongooo bocejo.
O caminhante prefere sentar-se numa rocha ou no chão a sentar-se num banquinho polido. O caminhante prefere o saibro à gravilha. O caminhante prefere o suor ao desodorizante. O caminhante prefere o inóspito ao conhecido. O caminhante prefere a liberdade à regulamentação.
Nem sempre se caminha só. Quando duas ou mais pessoas caminham juntas no mesmo terreno, além de se adaptarem às condições do mesmo, acabam por se entrosar entre si, formando um grupo relativamente coeso. Um grupo em que se acaba por conversar sobre o por do sol, o musgo nas árvores, os animais. Um grupo que se despe de tabus e preconceitos e que une os passos a cada passo que dá.
Claro que o grupo se densifica quando gosta do terreno que pisa. Quando não gosta…
E por aqui fico. Tenho que apertar os atacadores e continuar a caminhada. Neste belíssimo dia.
Bom passeio para vocês e não se percam no medo de explorar terrenos selvagens e inóspitos. Podem cair, se arranhar e magoar, mas a sensação de profundidade e comunhão é muito mais intensa que num qualquer jardim florido e ordenado.